Contrato, em sentido amplo, como fonte de obrigação, é considerado um dos institutos mais interdisciplinares do Direito.
Independentemente de a teoria clássica ter sido concebida pelo Direito Civil, é fato que o contrato está presente nos demais ramos.
No entanto, contrato, como instrumento essencialmente paritário e tipicamente privado com a predominância da autonomia da vontade no sentido de as partes guardarem liberdade de discussão das cláusulas em condições de igualdade, representa parcela mínima no mundo negocial atual.
Nas relações de consumo regidas pelo Direito do Consumidor, os ajustes são, geralmente, celebrados com empresa resultando em contratos de adesão, impessoais e padronizados, no Direito Penal, pactos de lesões corporais, a exemplo de luta de boxe e, no Direito do Trabalho, mediante formalização de contratos de trabalho.
Ademais, a abrangência da figura contratual não se restringe ao Direito Privado, se mostrando também presente na esfera pública quando o Estado intervém na relação privada diante da necessidade de se assegurar a ordem pública – o chamado dirigismo contratual, como quando o Estado-Administração celebra contratos com particulares em posição de supremacia, os chamados contratos administrativos.
Definição de contrato
Não obstante ainda persistir divergências quanto à sua definição, neste artigo, prestigiaremos o conceito clássico de contrato de Orlando Gomes*, “o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença de pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral.”
A formalização do negócio jurídico, seja bilateral ou plurilateral, torna obrigatório o seu cumprimento às partes aderentes às cláusulas nele estipuladas
“O pacto deve ser cumprido”, representado pelo termo em latim “Pacta sunt servanda” ou o contrato faz lei entre as partes, ensejando a responsabilidade civil em caso de descumprimento.
Contratos com participação de inteligência artificial
Assim, surge a questão: como essa definição tradicional e eventual responsabilização pode ser aplicada, atualmente, em contratos com a participação de inteligência artificial?
Em uma sociedade onde é realidade a IoT (Internet das Coisas) que evoluiu para a IoE (Internet de Tudo), Big Data, blockchain, contratos inteligentes ou smart contract, com promessa de celeridade, como fica a segurança e confiabilidade?
A tecnologia blockchain, mediante a promessa de solução de inserções e armazenamentos, bem como a transmissão online de forma totalmente segura, traz consigo novos desafios jurídicos, incluindo questionamentos de sua validade e regulamentação.
Na mesma toada, os contratos inteligentes, muito embora, ainda não possuam regulamentação específica no Brasil, devem estar em conformidade com todas as formalidades exigidas aos contratos dito “tradicionais” para que tenham validade jurídica, ou seja, deverão observar e cumprir a legalidade estabelecida pelo diploma civil.
Como vivenciamos uma época movida a dados e as novas tecnologias proporcionam variadas possibilidades no âmbito contratual, a preocupação e reflexão residem na capacidade com que esses dados possam ser convertidos em informações úteis e integradas ao uso da Inteligência Artificial na tomada de decisões.
Até porque as informações integrarão questões valorativas subjetivas, como em um processo seletivo para ocupação de cargo, em decisões imediatas de carros inteligentes, em análise de perfil nas operações de concessão de crédito, ou seja, uma gama de decisões que, inclusive, já estão sendo tomadas com a utilização de inteligência artificial.
Evolução tecnológica x reflexão jurídica e ética
Ao que se representa, como essa evolução vem acontecendo de maneira muito rápida, desacompanhada de reflexão jurídica ou ética mais incisiva, a governança de dados e a disciplina de inteligência artificial mostram-se como questões centrais de nossa época, como muito bem aborda Yuval Noah Harari em sua obra – 21 lições para o século 21. Por isso, é preciso preparo para não correr o risco de presenciar uma mudança destrutiva.
Com a sociedade que se impõe associada a um “mercado de atenção”, no qual vários aplicativos e sistemas concorrem pela atenção das pessoas, são incontestes os benefícios. No entanto, inteligência artificial, como exemplo de uma das ferramentas atuais, pode também servir de instrumento para criminosos, se não for bem gerida.
E a complexidade só tende a aumentar à medida que se depara com o aprendizado das máquinas, deep learning, e redes neurais, o que significa que as próprias máquinas conseguirão alterar e adaptar seu código ao longo do processo de aprendizagem.
Se, por um lado, quem decidir ignorar o poder das novas ferramentas estará fadado a ficar à margem das oportunidades; por outro, preocupações éticas e jurídicas permearão todo o processo, inclusive sobre como proceder e quem responsabilizar, seja contratual, seja extracontratualmente, em caso de falhas e/ou erros.
Está lançado o desafio para as grandes lideranças gerenciarem e bem as oportunidades e ameaças.
Referências:
*GOMES, Orlando, Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009 p. 4.
Artigo publicado no site https://techcompliance.org/contratos-e-novas-tecnologias/